sábado, 16 de março de 2013

Brasil: violência contra comunicadores é ameaça à liberdade de expressão

Não é tarefa das mais fáceis atuar em prol da liberdade de expressão e preservar o direito à informação da sociedade. E ela fica ainda mais árdua quando o seu agente é um jornalista. Mesmo em plena democracia, contexto em que as liberdades de expressão e de opinião e o direito à informação são considerados pilares de sustentação desse regime, o Brasil se destaca entre os países mais perigosos à atuação daquele profissional.

Quem nos revela essa preocupante realidade é a Article 19 (Artigo 19), entidade internacional que atua em defesa da liberdade de expressão e de imprensa. Em seu relatório Graves violações à liberdade de expressão de jornalistas e defensores dos direitos humanos, referente ao ano de 2012, a Artigo 19 confirmou sete jornalistas ou profissionais de mídia assassinados, cujas mortes podem estar relacionadas ao exercício da liberdade de expressão, ou seja, à divulgação de informações e opiniões nos meios de comunicação. Um aumento de 50% se comparado ao ano de 2011.



Dos 82 casos graves detectados no Brasil no ano passado que envolveram homicídios, tentativas de assassinato, ameaças de morte, sequestros e desaparecimento, e tortura, pelo menos 52 podem estar ligados ao exercício da liberdade de expressão. Destaque para as ameaças de morte (51% dos casos) e os homicídios (30%). Os jornalistas (repórteres, radialistas, blogueiros, proprietários de mídia, comunicadores comunitários, entre outros profissionais da área de comunicação) sofreram 36 violações graves à liberdade de expressão em 2012. Interessante observar que os meios mais agredidos são os blogs (44% dos casos) e a mídia impressa (25%), seguido pelas rádios (17%) e, por último, a televisão (14% dos casos de violações).

A violência contra o exercício da liberdade de expressão dos profissionais de comunicação, segundo a Artigo 19, está mais presente nas regiões centro-oeste e sudeste do Brasil, com 14 ocorrências cada uma. Os estados mais violentos são o Mato Grosso (8 ocorrências), São Paulo (também com 8) e o Maranhão (7 ocorrências). Vale destacar que quase a metade das violações graves à liberdade de expressão foram registradas em cidades pequenas, que apresentaram 47% dos casos. Neste caso, nada muito anormal, uma vez que os poderes político e econômico locais exercem maior influência (e intimidação) sobre os meios de comunicação e seus profissionais. As cidades grandes, por sua vez, representaram 32% das ocorrências.

As denúncias contra autoridades públicas ou entidades privadas, conforme o relatório da Artigo 19, são a motivação para 74% dos casos graves de violações à liberdade de expressão no Brasil. Quanto aos mandantes dos crimes, o Estado é representado pelos policiais, políticos e agentes públicos. Já do lado das organizações civis e privadas, aparecem o crime organizado, os produtores rurais/extrativistas e os empresários. Na avaliação da entidade: É muito sintomático que 74% das motivações venha de denúncias realizadas. E é possível vislumbrar uma cadeia estrutural que gera o não engajamento da sociedade contra os crimes motivados pelo exercício da liberdade de expressão: denúncias não são levadas a sério e não são investigadas pelas autoridades públicas; então, os denunciantes são perseguidos; as autoridades não os protegem e a sociedade não dá crédito para as perseguições; e as denúncias que motivaram as perseguições sequer ganham força.

Em seu relatório, a Artigo 19 defende que o Estado, além de não violar os direitos humanos, deve cumprir com o dever de adotar medidas positivas no intuito de impedir qualquer violência que objetive calar os jornalistas e outros profissionais de comunicação. E, além disso, investigar os crimes, punir os responsáveis e implementar medidas políticas e legais para proteger jornalistas e a liberdade de expressão. 

A violência contra profissionais de comunicação, em especial os que atuam de forma independente na internet e em veículos comunitários, merece maior atenção dos poderes Legislativo e Judiciário. É, no mínimo, absurdo que, em plena democracia, a sociedade brasileira ainda tenha de conviver com ameaças de toda ordem à plena liberdade de expressão e de opinião, já tão frágil em virtude da forte concentração da propriedade dos meios de comunicação e da ação permanente do Estado contra as rádios comunitárias. É indispensável garantir a existência desse direito humano fundamental através de um ambiente regulatório moderno, democrático e participativo (inexistente no Brasil), além de medidas punitivas contra aqueles que violarem tais direitos, sejam eles agentes do Estado ou do setor privado.

sábado, 9 de março de 2013

A violência segundo o jornalismo

Há tempos, a violência tem ganhado cada vez mais espaço nos telejornais das TVs comerciais e da imprensa escrita Brasil afora. Isso ocorre, em especial, nos meios de comunicação locais. Perde-se a conta de quantas são as "notícias" com foco nesse assunto, além dos programas especializados, os ditos policialescos.

Na verdade, fatos referentes à violência deixaram, há muito, de possuir um caráter noticioso, pois tornaram-se puro espetáculo da desgraça alheia. O que vale mesmo é mostrar corpos estendidos nas ruas, o pranto de familiares que perderam um ente querido, e com direito a big close do rosto. Até mesmo o velório, um momento familiar íntimo de prece e despedida, não escapa das lentes da mídia sensacionalista, que considera notícia as últimas lágrimas de amigos e parentes de uma vítima de violência.

Não bastasse tanta mesquinhez, há casos em que suspeitos de crimes são humilhados frente às câmeras de TV, para as quais são julgados e condenados sem sequer passarem pelos trâmites judiciais a que têm direito. É o que comumente acontece em programas policialescos, num verdadeiro atentado aos direitos humanos.

As notícias que trazem assassinatos, sequestros, assaltos, tráfico de drogas etc, são todas superficiais, sem profundidade e descontextualizadas. Não há o que aproveitar delas para ficarmos bem informados e entendermos os porquês de "tanta violência" lá fora. É uma mercadoria muito mal-acabada, embora esteja em alta na cabeça de jornalistas e editores.

Informações sobre violência chegam aos cidadãos, geralmente, tendo como únicas (e oficiais) fontes as polícias Civil e Militar. Em sua matéria, é comum o jornalista começar e encerrar a sua narrativa sobre um fato tendo como base a versão da polícia. Se ela disse que fulano é bandido, ou suspeito de envolvimento com o tráfico de drogas ou de cometer homicídios, quem há de contrariar?

Aliado a isso, tais fatos são divulgados um atrás do outro, numa sequência tão veloz que impede qualquer reflexão por parte dos espectadores, e sem manter qualquer elo entre eles. Ou seja, é como se o fato de uma diarista, moradora da periferia, ter morrido por bala "perdida" ao voltar do trabalho não tivesse nenhuma relação com a quantidade de jovens assassinados na mesma periferia.

Não se discute a realidade da violência no jornalismo, em nenhum jornalismo, seja ele o da TV, o dos jornais, da internet ou o das rádios. Para "esclarecer" à sociedade o que provocou a morte da diarista que voltava para casa e morreu atingida por uma bala perdida ou o genocídio (não percebido como tal pela mídia) dos jovens pobres de periferia, basta ouvir as explicações do soldado ou do cabo. O mais importante é jogar a notícia no ar, e quanto mais, melhor!

O coletivo é descartado no noticiário de violência. O que vale é explorar casos individualizados, pois, para os meios de comunicação comerciais e os jornalistas que neles trabalham, eles possuem maior poder de comoção na sociedade; logo, atraem mais audiência.

Diante de tudo, podemos constatar que a violência virou rotina não apenas nas ruas, mas também no jornalismo. E isso, tanto quanto a violência, é muito perigoso, pois significa uma ameaça ao direito à informação da sociedade, que precisa ter acesso a uma informação ampla, contextualizada, que possibilite à reflexão e detenha todas as versões possíveis.

Mais do que uma ameaça ao direito à informação, quando o jornalismo torna a violência algo banal, cria-se na sociedade um estado de medo e pânico que, por vezes, não se sustenta na realidade. O que é minimamente explicável, já que o problema da violência, no imaginário dos indivíduos que recebem tais notícias, acaba se transformando em algo sem solução, numa situação irreversível.

Ao chegar a esse ponto, a mídia, o jornalismo em especial, joga por terra sua intenção de ser o retrato fiel da realidade e a expande de forma espetacular, assim como faz com a violência.


sábado, 2 de março de 2013

Um shopping center chamado televisão

Vinte e cinco por cento (25%). Este é o limite máximo de publicidade permitido na programação de emissoras de rádio e TV aberta no Brasil. É o que determina a lei da radiodifusão dos anos 60, mas que nem é necessário fazer contas ou assistir à programação de todos os canais de televisão e estações de rádio para saber que essa porcentagem não é respeitada.

Foquemos a TV aberta, veículo no qual é injetada a grande maioria dos investimentos publicitários no país. A publicidade nesse meio não fica restrita apenas aos intervalos comerciais. Muito pelo contrário, esse tipo de conteúdo aparece inserido dentro dos programas das emissoras. É o chamado merchandising.

Nele, apresentadores de atrações de auditório ou de talk shows tomam a vez de garotos(as) propagandas e vendem as mais diversas mercadorias, que vão desde produtos de higiene e limpeza, passando por cosméticos, até os de alimentos. Entre uma atração e outra, lá estão eles, empurrando ao telespectador/consumidor tudo o que podemos encontrar num supermercado ou shopping center. 

E se enganam os que pensam que apenas animadores de auditório se prestam a tal tipo de serviço. Tem até "jornalista" dando uma de garoto(a) propaganda fazendo o famoso "merchan", muitos até de uma forma um tanto exagerada. E tudo dentro de programas - os telejornais - que deveriam cumprir a função de informar a sociedade, e não de vender. As novelas "globais" também são uma grande vitrine para a divulgação de produtos, que aparecem "disfarçadamente" e protagonizados pelos atores. Algumas vezes, sem nenhum disfarce, marcas famosas aparecem no meio da trama de forma escancarada, como se estivessem num intervalo comercial. Um exemplo clássico é quando um personagem entra numa agência bancária para sacar dinheiro, tendo ao fundo a marca do banco com todo o destaque.

É uma verdadeira feira eletrônica na sua televisão. Por vezes, um apresentador chega a promover um produto dentro do seu programa e, logo em seguida, ainda pede uma pausa para o intervalo comercial. Como se isso não fosse o bastante, no retorno do break, o telespectador/consumidor se depara com o apresentador a postos para oferecer mais um produto. Como se vê, não há para onde correr nesse labirinto de ofertas.

O pior é que tudo isso acontece num meio de comunicação que, pela Constituição (art. 221), deve privilegiar conteúdos de caráter educativo, artístico, informativo e cultural. E o objetivo desse princípio é claro: formar cidadãos críticos, e não consumidores compulsivos. As leis do setor ainda estabelecem uma porcentagem mínima de conteúdo informativo no rádio e na TV de 5%, embora não esteja claro o que seria, exatamente, conteúdo informativo. Bem diferente do que a família brasileira está acostumada a ver, não é mesmo? Afinal, a TV aberta, assim com o rádio, é uma concessão pública, não um shopping center.

Mas é isso que a TV aberta parece ser ao assistirmos a tanta publicidade, que vem de todos os lados, horários e tipos de programa. Nem mesmo as atrações infantis escapam da ânsia comercial e publicitária dos anunciantes. Nesses programas, brincadeiras aparentemente inofensivas, na verdade, tornam-se um meio traiçoeiro para vender produtos, como brinquedos e guloseimas não-saudáveis, aos pequenos telespectadores/consumidores.

E não podemos esquecer, é claro, dos programas de televendas, ou informeciais. Boa parte das grandes redes de TV comercializam espaços na sua programação para veicular esse tipo de conteúdo mercadológico. Resultado: os lares dos brasileiros são invadidos por horas e horas ininterruptas e diárias de ofertas de produtos mirabolantes que prometem realizar milagres na vida das pessoas que os compram. E o que falar dos leilões de gado e até de joias e tapetes?

Diante de um cenário sem controle como este, é preciso haver punição pelo Ministério das Comunicações aos que detêm o direito de explorar uma concessão pública de TV ou de rádio, mas que dão a eles um uso totalmente adverso ao que determinam as leis da comunicação e a Constituição Federal.

No vídeo abaixo, o quadro humorístico "Porta dos Fundos" mostra de forma bem caricata e criativa, mas com total embasamento na realidade, como alguns programas esportivos da TV brasileira abusam das mensagens mercadológicas, deixando o conteúdo informativo ao segundo plano.