domingo, 17 de maio de 2009

Parlamentares donos de rádio e TV decidem sobre as próprias concessões e ameaçam políticas públicas

A afirmação de que o Brasil é um dos países onde não se alcançou a plena democracia não pode ser encarada como um simples bordão. Pelo contrário, é necessário investigar o que se esconde por trás dessa máxima de aparência tão lógica quanto vazia. Mais ainda, é primordial saber quais empecilhos impedem que nosso país se torne uma democracia de fato.

E um desses obstáculos já se revelou há algum tempo: o controle de emissoras de Rádio e TV por políticos, em especial deputados federais e senadores. Ainda mais grave que isso, é a presença deles nas comissões em que são decididos os rumos das outorgas e renovações de serviços de radiodifusão.

Esse assunto foi discutido em outras oportunidades neste blog, mas o que nos leva a retornar com o tema é um estudo feito recentemente pelo conceituado Laboratório de Políticas e Comunicação da Universidade de Brasília (LapCom-UnB). A pesquisa denuncia a participação ilegal e imoral de deputados e senadores controladores de emissoras de Rádio e TV nas comissões responsáveis por apreciar e votar as outorgas e renovações de concessões desses veículos de radiodifusão.

A pesquisa constatou que na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados votam em causa própria 25 parlamentares que detém concessões de emissoras de Rádio e TV – 15 são membros titulares e 10, suplentes.

Digo que votam em causa própria porque a CCTCI é a instância responsável por outorgar ou renovar as licenças para a exploração dos serviços de radiodifusão. Logo, conclui-se que os deputados radiodifusores têm o pode de decidir o futuro de suas próprias concessões.

No Senado Federal, o cenário da ilegalidade e do desrespeito para com a sociedade e a Constituição Federal infelizmente não se distancia muito do observado na Câmara. Pelo menos 14 senadores - 08 membros titulares e 06 suplentes- dos que compõem a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação, Inovação e Informática (CCT) daquela Casa controlam estações de rádio e emissoras e televisão em suas regiões.

Os partidos que abrigam o maior número de deputados federais donos de rádio e TV são o PMDB (06), o DEM (05), o PP (03), o PR (03), o PSDB (02), o PTB (02), o PPS (02), o PSB (01) e o PSC (01). Já os senadores radiodifusores encontram-se no PMDB (04), no DEM (03), no PRB (02), no PSDB (01), no PT (01), no PSB (01), no PR (01) e no PTB (01).

Ilegalidade já foi denunciada em 2005

O que a pesquisa do Laboratório de Políticas de Comunicação vem mostrar para a sociedade não é fato novo. Em 2005, o Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), entidade responsável por manter o Observatório da Imprensa, já havia denunciado essa prática maliciosa e corrupta à Procuradoria-Geral da República.

Dezesseis deputados federais radiodifusores, em 2003, eram membros da CCTCI e, juntos, controlavam 31 emissoras de rádio e 06 de televisão. Em 2004, 15 parlamentares concessionários de veículos de radiodifusão compunham a referida Comissão. Eles detinham 26 emissoras de rádio e 03 de televisão.

Para que servem as leis?

Tal pergunta se mostra ainda mais complexa quando o que está em risco são as normas que regem os meios de comunicação, os regimentos internos de cada instância legislativa e, acima de tudo, os preceitos constitucionais, que deveriam estar garantidos e resguardados por agentes públicos do nível e da responsabilidade de senadores e deputados federais.

Os regimentos internos do Senado Federal e da Câmara dos Deputados são muito claros ao dizer que: Tratando-se de causa própria ou de assunto em que tenha interesse individual, deverá o [parlamentar] dar-se por impedido e fazer comunicação nesse sentido à Mesa, sendo o seu voto considerado em branco, para efeito de quorum.

A Constituição Federal também impede que deputados e senadores exerçam controle em emissoras de rádio e TV, já que ambos os serviços dependem de concessão pública. É o artigo 54:

Os Deputados e Senadores não poderão:
I - desde a expedição do diploma:
a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes;
b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades constantes da alínea anterior;

II - desde a posse:
a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada;
b) ocupar cargo ou função de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades referidas no inciso I, "a";
c) patrocinar causa em que seja interessada qualquer das entidades a que se refere o inciso I, "a";

Há poucos dias, foi aprovado um requerimento na Comissão de Constituição e Justiça do Senado em que fica terminantemente proibido o controle de emissoras de rádio e televisão por deputados e senadores, determinação estendida, é claro, aos outros cargos públicos eletivos. Ao documento aprovado na CCJ e que ratifica o que já estabelece a Constituição brasileira falta passar pelo plenário do Senado. Lá, a previsão é de que o requerimento esbarre na muralha dos políticos radiodifusores e, dessa forma, não seja aprovado.

O futuro das políticas públicas para a mídia torna-se, assim, cada vez mais nebuloso, com poucas perspectivas de evolução, a depender, é claro, de uma boa fatia dos nossos legisladores. No entanto, eis que surge uma luz, a Conferência Nacional de Comunicação, onde os principais problemas do setor vão ocupar o centro do debate na sociedade e no poder público.

A pesquisa do Laboratório de Políticas de Comunicação da UNB pode ser vista na íntegra
aqui .

Até a próxima!

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