domingo, 1 de março de 2009

A Saga das Rádios Comunitárias no Brasil (Parte I)


Veículo de comunicação popular tenta ser firmar como voz das comunidades e instrumento de cidadania, porém enfrenta legislação restritiva

Em um encontro que reuniu vereadores de todo o Brasil mês passado em Brasília, o ministro das Comunicações Hélio Costa fez um apelo a todos os parlamentares para que divulgassem a importância das rádios comunitárias em seus municípios. Mas será que o maior problema desse segmento de radiodifusão é (apenas) a falta de divulgação para a sociedade?

Os obstáculos enfrentados pelas emissoras de rádios comunitárias no país vão muito mais além, e englobam desde uma legislação restritiva, lentidão na análise dos pedidos de autorização até as perseguições por autoridades reguladoras e policiais. Mas antes, na primeira parte deste artigo, vamos explicar o que é uma Rádio Comunitária, qual o processo de criação de uma estação desse tipo, quais os caminhos percorridos até a autorização do serviço e ainda destacar as restrições impostas pela lei que regulamenta o setor.

Definição e propósitos
Rádio Comunitária é uma emissora que opera em freqüência modulada (FM), em baixa potência (máximo de 25 watts) e cobertura restrita a um bairro, outorgada exclusivamente a fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, com sede na localidade de prestação do serviço. O prazo para operação de uma emissora é de 10 anos, podendo ser renovado por mais 10 caso a entidade tenha cumprido com as obrigações contidas na lei que rege o setor.

As rádios comunitárias devem funcionar com a finalidade de promover a integração e a melhoria da qualidade de vida das comunidades onde atuam, através de informação direcionada à cidadania e ao interesse público; além de constituir um espaço para a divulgação da cultura local e para o debate das diversas demandas no âmbito de cada comunidade. Não é permitido às rádios comunitárias utilizarem seu espaço para fazer proselitismo político ou religioso, mas sim devem estar abertas à diversidade de opiniões e vertentes de pensamento dos moradores.


Como requerer uma rádio comunitária
A entidade que quiser prestar o serviço de rádio comunitária deve encaminhar um formulário chamado Demonstração de Interesse ao Ministério das Comunicações que, sem seguida, publicará um Aviso de Habilitação no Diário Oficial da União.

O Aviso indica as localidades que dispõem de canal para prestar o serviço, o que permite que outras entidades da mesma localidade se interessem e solicitem uma rádio. Cada entidade deve apresentar documentação num prazo de 45 dias após a publicação do Aviso de Habilitação que contemplou sua cidade.

A partir da documentação, serão escolhidas as entidades aptas a executarem o serviço (a documentação necessária pode ser conferida na página do Ministério das Comunicações. O órgão, então, publicará uma portaria autorizando a prestação do serviço e, em seguida, será emitida a licença para o funcionamento da rádio.

Caminhos para a autorização
É indispensável conhecer também que caminhos tomam os processos de autorização. Iniciam-se os trâmites no Ministério das Comunicações. Em seguida, os processos vão para a Presidência da República (Casa Civil/Secretaria de Relações Institucionais).

De lá, seguem então para o Congresso Nacional, para serem apreciados pela Câmara dos Deputados e Senado Federal (comissões obrigatórias e específicas). Por último, é assinado um decreto legislativo pelo presidente do Congresso Nacional e, posteriormente, é publicado o ato de outorga no Diário Oficial da União.

Legislação mais restringe que estimula rádios comunitárias
O cenário desenhado acima parece um tanto utópico, porém indispensável para o cumprimento dos objetivos de uma verdadeira rádio comunitária. Esse tipo de radiodifusão foi reconhecido legalmente no Brasil há 10 anos pela lei 9.612, de 1998. Legislação que, no entendimento de importantes entidades da sociedade civil que atuam no segmento, como a Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) e a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), mais proíbe e pune do que estimula e promove o serviço de radiodifusão comunitária.

E são vários os motivos para que o atual marco regulatório seja alvo de críticas. No que se refere à questão financeira, as emissoras estão impedidas divulgar publicidade em suas programações, sendo permitido apenas o apoio cultural (na forma de patrocínio) de estabelecimentos das localidades onde atuam.

Elas também estão proibidas de atuarem em rede (como acontece com as grandes emissoras de rádio e TV comerciais), exceto em situações de calamidade pública, guerras, epidemias ou em transmissões obrigatórias dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário (como a Voz do Brasil e as propagandas eleitorais, por exemplo).

A potência (25 watts) e o alcance do sinal (raio de 1 Km) destinados a uma emissora comunitária não contemplam os limites territoriais de inúmeras comunidades, como nos grandes centros urbanos, o que prejudica a cobertura e o trabalho dessas rádios.

A extensa lista de documentos a serem apresentados pelas entidades interessadas em explorar uma rádio é mais um dos inúmeros obstáculos encontrados no caminho da autorização. Após a publicação do Aviso de Habilitação, as entidades das cidades que dispõem de canal devem emitir, pelo menos, 16 documentos. Entre a papelada obrigatória, encontramos até mesmo manifestações individual e coletiva (este último, uma espécie de abaixo-assinado dos moradores da comunidade) de apoio à instalação da rádio, entre outros.

Saiba mais! Confira a
Lei 9.612, de 1998, que regulamenta a radiodifusão comunitária sonora, e também acesse toda a documentação necessária para se operar uma rádio na página do Ministério das Comunicações.

Na segunda e última parte do artigo A Saga das Rádios Comunitárias no Brasil, vamos abordar as dificuldades para a conquista de uma licença impostas pela lentidão no processo de autorização de uma emissora, saber o número de rádios autorizadas de 1999 até hoje e a quantidade de pedidos que aguardam serem avaliados pelo Poder Executivo federal. A realidade de perseguição e criminalização por parte da mídia privada e do Estado, e a influência de políticos e igrejas também serão destaque na semana seguinte.


Até a próxima!

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